A Febre Purpúrica Brasileira (FPB) foi descrita pela primeira vez na localidade de Promissão-SP, por ocasião de um surto epidêmico ocorrido no período de 14 de outubro a 15 de dezembro de 1984. A faixa etária atingida variou de 3 meses a 8 anos3,9,15. As crianças atingidas apresentaram um quadro inicial agudo de febre alta associada a vômitos e dores abdominais. No período de 12 a 48 horas após o início da febre, desenvolveram púrpura seguida de colapso vascular e necrose de tecidos periféricos1,8,14. Conjuntivite purulenta, 3 a 15 dias antes dos sintomas descritos, foi um achado freqüente na maioria dos casos fatais4.
De janeiro a maio de 1984, um surto de FPB atingiu a cidade de Londrina-PR7. Apesar deste município ter sido atingido primeiro, o diagnóstico definitivo só ocorreu pela revisão dos casos, pois simultaneamente houve um surto de doença meningocócica dificultando a sua caracterização.
Em 28 de março de 1986 teve início no Município de Serrana-SP um surto de FPB11. Novamente o quadro clínico de "meningococcemia" apareceu associado à conjuntivite purulenta e, simultaneamente, uma epidemia de conjuntivite, com as mesmas características e sem quadro de FPB associado, atingindo crianças menores de 10 anos de idade.
Uma situação nova ocorreu no Município de Serrana: a incidência de FPB e conjuntivite purulenta foi alta num parque infantil municipal que concentrava cerca de 700 crianças menores de 7 anos. A ocorrência de FPB em grupos aglomerados de até 10 anos de idade era fato inédito até aquele momento.
Até o início do surto em Serrana, o único dado freqüente encontrado foi o isolamento de Haemophylus aegyptius da conjuntiva de crianças com conjuntivite que não tiveram FPB13. Este agente também foi isolado da conjuntiva de crianças nos municípios de Lins (simultâneo ao surto de Promissão, 1984) e de Guariba (simultâneo ao surto de Serrana, 1986), porém nestes não ocorreu (pelo menos não se teve conhecimento) nenhum caso de FPB, neste período. Nenhum agente microbiano havia sido isolado de hemocultura ou líquor de crianças com FPB em Promissão ou Londrina. O Haemophylus aegyptius foi isolado de um raspado de petéquia de pele, colhido sem assepsia, de um caso de FPB em Promissão.
Até esse momento, o H. aegyptius era conhecido como o agente causal de surtos de conjuntivite purulenta benigna6,12.
Diante destes fatos, o presente trabalho foi realizado com objetivo de estudar a associação entre FPB e as seguintes variáveis: ocorrência de conjuntivite, aglomeração das pessoas e sintomas respiratórios.
Material e Método
Foi efetuado um estudo modelo caso-controle.
Definição de Caso. Tomou-se uma série de sintomas e/ou sinais e resultados laboratoriais e atribuiu-se um sistema de pontuação a cada um, além de se utilizar aspectos epidemiológicos10. Esta pontuação atribuída se baseou na experiência de vários profissionais que estiveram presentes no atendimento clínico-epidemiológico aos pacientes.
Para cada um dos sinais e/ou sintomas foram atribuídos os respectivos pontos: febre = 5; diarréia e/ ou vômitos = 1; fenômenos hemorrágicos = 3; plaquetopenia e/ou leucopenia = 3; hemocultura e/ ou líquor e/ou cultura de orofaringe positiva para Haemophilus aegyptius = 7 e Síndrome de Waterhouse Friedrichsen = 7.
A partir deste sistema de pontuação foi definido:
Caso confirmado: "score" maior ou igual a 12 pontos; caso suspeito: 8 a 12 pontos.
Fonte dos casos: foram todos os casos ocorridos no período de 28/03 a 15/05 durante a epidemia de FPB ocorrida em Serrana-SP, 1986. Esses casos receberam assistência médica na Santa Casa de Serrana; no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina - USP, no Hospital Santa Lydia e no Hospital São Lucas de Ribeirão Preto.
Controle - Chamou-se de controle, as crianças com "score" menor do que 5. O critério de seleção foi tomar a primeira criança que satisfizesse as condições de pareamento. As variáveis pareadas foram: sexo, idade e condições sócio-econômicas. Localizou-se o controle tomando-se irmãos e/ou residentes no mesmo local do caso; na impossibilidade de satisfazer este critério foi tomada a primeira criança que se encontrasse na quadra de residência do caso, percorrendo-se esta no sentido horário.
Informações levantadas - O protocolo de investigação que utilizamos foi elaborado no sentido de se obter informações dos casos e controles sobre os seguintes aspectos: identificação do paciente, interrogatório clínico, informações epidemiológicas e dados laboratoriais.
O método estatístico utilizado nas análises dos resultados foi o qui-quadrado com aproximação de Fisher.
Para se estimar o risco de ocorrência da FPB entre crianças matriculadas e crianças não matriculadas na creche municipal, calculou-se o risco relativo (RR). Para tanto utilizou-se a incidência de FPB no grupo exposto ("crianças matriculadas") chamada aqui de "Ie"; e a incidência de FPB no grupo não exposto ("crianças não matriculadas") chamada de "Io". O risco relativo foi então calculado como RR = Ie/Io.
Para os riscos relativos com valores maiores que um, calcularam-se também os intervalos de confiança.
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